terça-feira

Eleições em Anarquim!

O dia de eleições é sempre especial! A populaça de Anarquim acorda com o primeiro raio de sol e o rebuliço toma conta de todos os lares.

As mulheres vestem-se a preceito, normalmente com uma camisa amarela e uns calções de banho verdes claros, as cores oficiais do burgo. Penteiam minuciosamente cada pelo do farto bigode – que deixam crescer duas semanas antes, propositadamente para este dia – e distribuem chapadas pela cara dos filhos, para que apresentem outro tom de pele que não o cinzento indicador de escarlates, pestes e epidemias afins.

Os homens erguem-se dos seus leitos, calçam as enormes botifarras e dirigem-se de imediato para a pocilga (normalmente situada entre a sala de estar e o canto da casa destinado às necessidades), onde pontapeiam um enorme suíno até este se apresentar no limiar da partida para o outro mundo. Chega então a altura de pendurar os quase cadáveres dos pobres animais na portada da janela virada para a rua principal. De seguida esfregam-se de alto a baixo com hortelã, deglutem uma garrafa de jeropiga em coisa de dois minutos e estão prontos a sair.

Pelas sete da madrugada, a praça central de Anarquim encontra-se já apinhada. Trocam-se cumprimentos cínicos e olhares que espelham uma rivalidade dilacerante. A impaciência começa a tomar conta das gentes, até que pelas oito em ponto o Senhor Vergas abre as portas da Casa do Povo e declara abertas as urnas.

Ao contrário do que o ambiente deixa transparecer, o exercício de voto é feito de uma forma extremamente ordeira e civilizada. De resto, em meia hora todos cumprem o seu direito.

A impaciência assume-se de novo como rainha na praça, enquanto que é feita a contagem dos votos no interior do edifício. A contagem é porém rápida (a aldeia pouco mais tem do que 300 eleitores).

Ás nove horas matutinas, o Senhor Vergas anuncia os resultados, de todo esperados:

Registam-se 323 votos, existindo curiosamente um empate entre 323 pessoas. A lei manda então que se instale uma Anarquia.

Chega então a hora de reunir os cada vez mais quase cadáveres dos porcos moribundos e iniciar um arraial que se prolongará até que o excesso de pinga dê lugar a uma sessão de pancadaria que normalmente dura três dias e que culmina sistematicamente com a morte do responsável pela organização das eleições do presente ano.

Adeus senhor Vergas.

Joel, 25 deJulho de 1970, Anarquim de Baixo