quinta-feira

O misterioso assobio

Quando menos esperamos, algo de bom pode acontecer às nossas vidas.Mas mais cedo ou mais tarde, a desilusão chega sempre. Sempre. Aprendi-o hoje...
Estive todo o dia no pomar do Sr.Tobias, um velho produtor de Cerejas Azuladas, que todos os anos solicita a minha ajuda para colher toda a fruta para caixotes. Em troca, quando o sol se despede e a lua nos cumprimenta, o velho dá-me 4 sandes de queijo, uma perna de presunto e duas garrafas de Geropiga. Seria um salário de luxo, nao fosse o facto de a mãe trinchar todo o presunto sozinha e mamar as duas garrafas em menos de 10 minutos. Assim, só posso contar mesmo com as sandochas, que divido com os meus irmãos.
Mas como estava a dizer: algo de maravilhoso me aconteceu hoje. A escuridão já engolira Anarquim, e eu regressava a casa exausto. Vinha a assobiar a música da "linda fazendeira", quando da escuridão, se junta a mim um assobio lindo, perfeito, cristalino, divinal!! O som parecia vir de longe, mas foi-se aproximando aos pouquinhos. Daí a uns segundos, eram poucos os metros que me separavam da misteriosa pessoa que assobiava comigo tão linda canção.
É estranho transpôr para palavras o que senti...Não foi medo, não foi curiosidade, não sei o que foi. Só posso dizer que o meu coração palpitava contra as costelas, parecendo querer fugir do corpo para sempre. E mais viemente palpitou quando senti uma mão tocar na minha...
Quando a tentei agarrar, o assobio parou e escutei o som de um corpo fugir por entre a vegetação. O silêncio voltou a abraçar a noite escura.
Já chegado a Anarquim, deparo com o meu irmão Rafa sentado à porta de casa, assobiando "a linda fazendeira", enquanto que a Carmelinda se ria que nem uma desalmada...
Que pena...menos dois a comer pão com queijo...

Joel, 12 de Maio de 1970, Anarquim de Baixo