terça-feira

O jogo da bola

Estava em casa, sentado no chão frio da cozinha a rabiscar no meu caderno quando oiço alguém bater à porta.
-Quem é?- perguntei de imediato, deixando transparecer alguma excitação por haver alguém que se digna de vir cá a casa.
-Sô o Paulo Covas- responderam do outro lado com uma voz entediada.
O Paulo Covas....eu logo vi que era bom de mais...A haver alguém a tocar à nossa porta numa tarde soalheira como esta, tinha que ser o puto mais arruaceiro e atrasado de Anarquim.
Ainda me ocorreu dizer-lhe que não estava ninguém em casa (acreditem, ele caía nessa!), mas lá decidi abrir-lhe a porta.
-Juel, arranja aí uma equipá pa vir jugar ao bola contra á gente. Daqui a mêa ora apareçam lá no descampado do Cajó. Se na apareces levas nos cornos. Tu e os tês irmões.
E pronto. Perante isto que podia eu dizer? Acenei temerosamente a cabeça, fechei delicadamente a porta e comecei a fazer contas à vida.
Cá de casa os únicos que têm forças para fazer mover a bola com um chuto sou eu e o Rafa ( e mesmo assim já é grande o esforço...).
O único senão é que o Rafa tinha ido à feira de Rebelhão com a mãe...
-Pronto, estou f***do! – suspirei enquanto me equipava...
Quando o relógio batia as dezasseis horas e trinta e dois minutos, apareci no descampado. As balizas (feitas com ramos de Bananeira), estavam já montadas e colocadas no devido lugar. A bola (feita de jornal e envolta em folhas de couve) encontrava-se já no centro do terreno de jogo. Quanto à equipa adversária, não havia sinais da sua presença, nem mesmo da sua eminente chegada...
Para enganar o tempo, decidi ir dar uns toques no esférico. Comecei a correr na sua direcção, e qual não é o meu espanto quando sinto o piso abater sobre os meus pés, levando-me a caír num profundo buraco.
“Cabrões...prepararam-me uma armadilha!” - pensei enquanto esperava o momento em que o corpo embatesse no fundo da cova. E quando assim aconteceu, como se tivesse pressionado um botão, mil e uma gargalhadas surgiram, provenientes de toda a periferia do descampado...
Uma a uma, foram surgindo cabeças lá no topo, ávidas por me ver estatelado e ferido, no chão da toca.
Aos poucos lá se foram retirando, deixando-me ali, indefezo e diminuido fisicamente. A muito esforço trepei para a superficie. Era já noite quando a alcancei.
Chegado a casa, a mãe nem precisou de dizer nada...já sabia o que me esperava.
Por cima de umas quantas escoriações, cabe sempre mais um par de chapadas.

Joel, 31 de Maio de 1970, Anarquim de Baixo

2 comentários:

tixa disse...

tnh medoooooooooooo :)

Anónimo disse...

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