segunda-feira

Até sempre Madalena...

A mãe vendeu a minha irmã mais nova.
Madalena, 4 anos, olhos negros como carvão. Linda de morrer.Catorze centavos, o que rendeu...
Comprou-a um casal das Requeijoas, pequeno arquipélago situado no Mar das Courgetes. Parecem ser pessoas de bem, embora o facto de serem das ilhas me faça temer pelo pior: trinchar a pequena e usá-la como isco para a pesca do Açafrão. Contam-se histórias de casos semelhantes aqui no burgo.Mito rural, espero...
Com a pequena fortuna, a mãe não perdeu tempo, abastecendo a pequena dispensa com os (seus) bens de primeira necessidade: cinco garrafões de tinto (da adega do Sr. Alfeu, a melhor pinga da região!), três chouriças de sangue de ovelha, dois quilos de sementes de ginja ( para a irmandade ir plantar, claro), duas dúzias de ovos de coderniz e a joia da coroa: um pequeno cabrito,que de imediato apelidamos de Ernesto.
Eram duas e meia da tarde quando brinquei alegremente com o Ernesto no quintal.
Às oito e meia, do Ernesto já só restavam os ossos que ninguém quis roer...
Obrigado Madalena...a ti devemos a primeira refeição em meses que não leva coentros...

Joel, 16 de Maio de 1970, Anarquim de Baixo