quinta-feira

Não entendo nada...

Já longe do acampamento do velho, num farto eucaliptal, parei para descansar.

Necessitava também reflectir, sobre toda a peripécia em que se tinha tornado a minha vida.

Num dia sou resgatado por um urso, no outro reencontro o avô. Como se não fosse suficiente, este conta-me que o urso é o meu pai. Para fechar em beleza, o velho nem sequer era meu avô.

Hum…sabia todavia o meu nome. Algo não bate certo. Estou a ficar louco!

-Tirem-me daqui! Tirem-me daquiiiii! - grito para os céus, de mãos na cabeça.

Nos instantes imediatos, sinto que algo me sobe pelo braço...até que chega ao ombro direito.

De esguelha, tento perceber o que é. Trata-se de uma cigarra, vestida com uma magnifica escama verde fluorescente. Aproxima-se do meu pescoço, sobe pé ante pé para a minha orelha, e sussurra-me com uma voz terna e doce:

- Voltarás agora! Boa Viagem!


E nesse momento, inexplicavelmente, sou sugado com violência para o céu, enquanto que uma sensação de dormência se apodera da minha carne, dos meus ossos.

O mundo desvanece-se.

A luz muda, a névoa dissipa-se, escuto sussurros de vultos desfocados. O esforço é enorme para manter a pálpebra semi-aberta.

Pouco a pouco, as formas tornam-se mais evidentes. Sinto uma pequena mão, como se a de um bébé se tratesse, e alguém grita, estridentemente:

“Mãaaaaaaaaaaaaaee! O Joel acordou! Mãaaaaaaaaaaae! O Joel está vivo!”.

Num momento a sala repleta-se. Toda a gente me abraça, quase me sufoca. Alguém me mede também a pulsação, antes de exclamar:

“Está salvo minha senhora, o seu menino voltou para nós…”

Alguém afasta os demais e se prepara para se debruçar sobre mim. Distingo apenas uma figura de tom escarlate, e um farto bigode.
- Merda...É a mãe! - Pensei enquanto um arrepio de pânico me rasga a espinha. Já vou apanhar, deduzi naturalmente.
Mas não…
A mãe afagou-me o cabelo, e com toda a suavidade e ternura, beijou-me as faces, enquanto as segurava com as mãos trémulas.

“Pensava que te perdia mê filho…” – murmurou, com uma voz rouca e cansada.

Não entendo nada…o mundo desfoca e apaga-se de novo.

Joel, 1 de Outubro de 1970 (será????), Em estado de choque, sem saber bem se está em casa.


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